segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O fotógrafo




O fotógrafo


Pela ocasião da visita do Presidente Lula ao Sítio Kalunga, mais precisamente no Comunidade do Engenho no município de Cavalcante, o  fotógrafo Weimer Carvalho do jornal O Popular de Goiânia quis visitar  uma casa tradicional para fazer umas fotos dos moradores e de seu dia-a-dia sem energia elétrica.
Ele me procurou no dia seguinte e eu o levei até a casa de Dona Leó.
Havia pouco tempo que as câmeras digitais estavam disponíveis no mercado e o fotógrafo tirou uma câmara bem moderna e cheia de recursos.
Chegando lá, foto daqui, foto dali, especialmente da Dona Leó, muitas, mas muitas fotos batidas.
A velha senhora ficou incomodada, pois ela não gostava de fotos, pois segundo ela “os ôtro cunhece nóis, mas nóis não cunhece os ôtro” e geralmente, fotógrafos e visitantes batiam uma, duas , no máximo três fotos, com máquinas analógicas.
Certo momento, ela perguntou: “Ô moço, quantas foto o sinhô tirou desta véia?”
O fotógrafo, meio sem graça, respondeu: “68, Dona Leó”.

Ela, com seu bom humor de sempre: “68 ? O sinhô deve te me achado muito bunita ! O sinhô qué casá mais eu?”

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Homem do INPE II





O Homem do INPE II


José Antonio, o homem do INPE, começa a explicar a razão de sua visita, dizendo o que é o INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e que a região era muito propícia para a instalação de um telescópio a micro-ondas por a região ter pouca interferência de sinais de rádio e celulares.
Começou a explicar a função e a missão do instituto e a dar explicações detalhadas sobre a tecnologia do projeto e sobre as estrelas, planetas e demais astros celestes.

A todo o momento, D. Leó o interrompia desinteressada e voltava ao assunto dos partos e das dificuldades enfrentadas por ela nestes momentos com a Marlene.

O homem do INPE insistia em suas explanações ....

Um dado momento, D. Leó se voltou para ele, apontou o dedo indicador para o céu, e disse:

“ Ó moço ! Deus disse qui o dia qui o Céu e a Terra ´tivé perto qui nem o nariz  e a boca, este mundo vai acabá ! Eu acho mió o sinhô i imbora dessa comunidade.”

José Antonio e seu companheiros, os “hôme” do INPE, juntaram suas coisas e partiram apressados rumo a Brasília.








quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Homem do INPE I





O Homem do INPE I


Manhã de domingo, forte calor na Ema – Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, em Teresina de Goiás.
Estávamos meu irmão José Carlos, farmacêutico-bioquímico, sua mulher Marlene, enfermeira em um grande hospital de Belo Horizonte e eu, na casa de Dona Leó.
A conversa andava animada. As mulheres falavam de partos – D. Leó, em  sua experiência como parteira e Marlene, como enfermeira profissional.
Meu irmão Zé e eu apenas ouvíamos atentamente.

Foi quando chegou um carro, com dois homens e Ester, vereadora e representante da comunidade e sobrinha da D. Leó.

Um dos homens disse: “ Bom dia Tia Leó, eu sou José Antonio, do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais !” ...... e ela respondeu : “ Bom dia, mas num sô sua tia, sô tia de Ester !  E aquele ali é meu fio", apontando para mim. 
"O sinhô é di quê, mermo?“ - perguntou impaciente.
O homem continuou, tirou uma foto de uma adolescente e disse : “ Sou do INPE, Dona Leó. Esta é minha filha. Ela não consegue passar de ano. Ela já repetiu a 8ª série  três vezes.  O que a senhora pode fazer por ela ?”

Dona Leó pensou um pouco e respondeu : “ Marmoço !!!! Nem prefessora eu sô, nem leitura eu tenho ! Como esta veia pode ajudá esta minina ? Ela tem é qui estudá !!!!!”



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O Guia e a Mula








O Guia e a Mula

Em 2002, durante uma das reuniões com a comunidade para a formatação do “cluster” das Trilhas Kalunga, buscamos definir os serviços turísticos a serem prestados aos visitantes, como guiagem, aluguel de animais de carga e montaria, refeições e camping.
Na ocasião, chegamos à conclusão que R$ 30 seriam suficientes para remunerar um guia sem treinamento, sendo que, após a capacitação, a diária teria seu valor aumentado.
Bem, ao combinarmos a diária de um animal de carga e/ou montaria, os proprietários de tropa pediram R$ 50 pela diária de aluguel, com o animal arreado.
Argumentei então que a diária de um animal não poderia valer mais que a de um ser humano.
Alguém na reunião respondeu : “ Mais é ! Aqui, uma mula boa é mió qui uma muié ruim” !
Então eu repliquei: “Qualquer coisa é melhor que uma mulher ruim “!!!
E todos nós caímos no riso.......


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Cadê o bunito !




Cadê o bunito !


15 de Agosto de 2001. Estávamos na Romaria de N.S. d´Abadia, no Vão de Almas. Tinha terminado o Império e todos estavam por ali, conversando, descansando ou rezando.
Dona Procópia, que já havia sido recebida pela Condoleezza Rice - Secretária de Estado dos EUA, estava sentada num caixote, tomando uma pinguinha.
De repente, ela se levantou, pediu para ligar o som, pegou o microfone, subiu no caixote e começou a discursar:

“ Atenção kalungueiro ! O fazendeiro branco diz qui é dono do Kalunga. Se ele é mermo dono do Kalunga, cadê ele, que não tá aqui mais nóis ? Se o fazendeiro branco é dono dessas terra, cadê ele?
Pruquê qui ele num veio festá mais nóis ?
Se o bunito é dono do Kalunga, cadê o bunito que num ta aqui mais a comunidade? Se ele num veio, é pruquê ele não pertence ao Kalunga e sim a terra ! A terra pertence aos Kalunga e é só dela que nóis pricisa!”

Todos apoiaram  e aplaudiram a matriarca Dona Procópia, velha guerreira, liderança a toda prova !


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Hoje é maio




Hoje é maio

Nas minhas primeiras visitas à Comunidade Kalunga, sempre passava na casa de Dona Leó, pois sempre pensei que a cada visita recebia um ensinamento e
conhecia melhor o seu povo e  a sua cultura. A cada visita, ela se mostrava mais íntima, me contava muitas histórias das eras antigas, dos tronco véi kalunga.
Quando lhe perguntei quando começavam as festas, ela me respondeu:
“Dispois na coieta, quando caba as chuva.”  E continuou:
Hoje é maio, amanhã é junho, com os festejo de São João; dispois é julho, é agosto, com a Romaria de Nossa Sinhora d’Abadia no Vão de Almas. E ainda em setembro, tem Romaria de N. S. do Livramento, no Vão do Moleque”. 
E eu, com minha agenda lotada, dia-a-dia, hora-a-hora.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Um homem chamado Governo





Um homem chamado Governo

Durante a gravação do programa Globo Repórter em 2002, acompanhei a equipe a  vários pontos do Sítio Kalunga, de carro, a pé e de helicóptero nos locais mais afastados. 
Saindo da casa de Dona Procópia, no Riachão, voamos por cima da serra até o Vão do Moleque. De longe avistamos uma casinha isolada, perto da Cachoeira dos Porcos e  pousamos num campo próximo.
Logo, um homem foi se aproximando, assustado, mas muito curioso, vestindo uma camisa da CBF.
Era junho, véspera da Copa do Mundo e perto das eleições presidenciais.
Fomos logo nos apresentando e ele disse se chamar Elói.
A repórter então perguntou: - “ Sr. Elói, o senhor está usando uma camisa da Seleção Brasileira “?
Ele respondeu: “Esta amarelinha aqui ? Camisa di quê mermo?
A repórter continuou: “Da Seleção Brasileira de Futebol” !
“Seu” Elói respondeu: “Ah !  Eu num conheço nada de futibol não. Eu só vi uma vez, na televisão, em Cavalcante”.
A repórter então perguntou : “ O senhor já ouviu falar em Ronaldinho “?
“Não, sinhora “, respondeu ele.
“O senhor conhece o Felipão”? – insistiu ela.
“Seu” Elói replicou: “Filipão, o prefeito de Cavalcante? Conheço, sim “ !
“O senhor conhece o  Lula” ?-  continuou ela.
“Não sinhora “.
“O Fernando Henrique Cardoso”?
“Não sinhora”.
“O Presidente, o Governo “!! – insistiu ela novamente.
“Ah ! este eu já ouvi falar. Este hôme, este tal de Guverno, num presta!

Este hôme, o Guverno, nunca veio aqui no Vão do Moleque”!