Cine
Kalunga
No
início dos anos 2000, eram poucos os documentários ou registros realizados no
Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga e os que haviam, nem sempre eram
disponíveis como é hoje, com as facilidades de acesso e comunicação que a
Internet nos dá.
Um
desses filmes, Kalunga, realizado pelos
cineastas Pedro Nabuco, Sylvestre Campe e Luiz Elias, documentou toda a história
do povo Kalunga, suas lutas, sua cultura, sua relação com o meio ambiente de
maneira ímpar.
Essa
obra, cujas pesquisas e filmagens tiveram início nos anos 80 foi premiada pelo
Júri Popular do XI FICA – Festival de Cinema Ambiental de Goiás de 2009 e
depois exibido com sucesso em diversas cidades do Brasil e do mundo.
A
comunidade Kalunga solicitou então que o filme fosse exibido para a comunidade
durante a Romaria de Nossa Senhora d’Abadia, em agosto de 2011 e, com apoio da
AGEPEL – Agência de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, foi constituída uma equipe, composta por Paulo
Munhoz, Cláudio Mendes, Eudaldo Guimarães e eu, pela AGEPEL, pela cineclubista Carolina
Paraguassú como operadora e pelo colaborador o cineasta Frederico Felipe,
partiu então para o Vão de Almas para realizar essa
missão.
Após
pernoite em Cavalcante, demos início ao trecho mais difícil da viagem pela longa
e sinuosa estrada de chão que leva à romaria.
Montamos
nosso acampamento, tiramos a poeira no Rio das Almas, lá denominado Rio Branco
e fomos definir o local da exibição.
No
dia seguinte, 13 de agosto, demos início à montagem do telão e aos equipamentos
e recursos para podermos “passar” o filme no horário combinado como Imperador
da Festa, de modo a não atrapalhar os rituais e festejos da comunidade.
Passamos
a tarde a divulgar boca-a- boca o evento do Cine Kalunga. No início da noite,
demos a última chamada nos altos falantes e Carolina deu início à exibição.
As
pessoas foram se aglomerando em frente à tela, umas sentadas outras em pé,
sendo mais de trezentos os presentes à exibição.
Muitos
comentavam, maravilhados, sobre os locais, as comunidades, as pessoas
conhecidas, identificando os atores e comentando.
Outros
tampavam o rosto ao ver pessoas já falecidas falando no vídeo e também comentavam.
Eu
fui passando e conversando com um e com outro para ver a opinião dos presentes
quanto ao filme.
Num
dado momento, aparece a cena em que o então presidente Lula discursa, dizendo
que veio ao Kalunga não apenas para trazer eletricidade e programas sociais.
“Estou
aqui com o governador do estado de Goiás, ministros, prefeitos e vereadores
para atender a principal reivindicação do povo Kalunga. A titulação das terras!”
– disse ele em alto e bom tom!
Os
presentes no discurso aplaudiram e festejavam!
Os
presentes na exibição do filme se calaram perplexos, pois, nove anos depois, a maioria dos Kalunga não tinham e ainda não tiveram as terras do Sítio Histórico e
Patrimônio Cultural Kalunga devidamente desapropriadas e tituladas!
Foi
aí que o “Seu” Tomás virou para “Seu” Domingos e disse:
“ – Ô Domingo! Eu num disse qui o home
era mintiroso? Óia a prova aí, ó!”