quarta-feira, 20 de maio de 2015

O doutor é quem sabe




 O doutor é quem sabe

Sempre que precisava de meu auxílio, Dona Lió, segundo ela mesma, orava e me chamava nas rezas. Eu sempre recebia usa mensagens pois batia uma saudade e uma vontade de estar com ela!
Em 2006, recebi visitas de Clarissa e Marcos, ela amiga de minha filha Tereza e ele, médico acupunturista.
Na ocasião, Dona Lió, já muito doente com um câncer e muito idosa, me mandou umas dessas “mensagens telepáticas” e eu convidei o Dr. Marcos para irmos fazer-lhe uma visita, nas sua casa na Ema, Sítio Kalunga no município de Teresina de Goiás. No caminho, ele me disse que sendo acupunturista, ele apenas poderia fazê-la sentir melhor, devido ao avançado estado da doença.
Lá chegando, Dona Lió estava de cama, quietinha e sentindo fortes dores.
Ela abriu os olhos e disse: “Ô meu fio, eu chamei e ocê veio.”
“Vim e trouxe um médico para cuidar da senhora” – respondi.
Dr. Marcos a examinou e eu expliquei a ela que o tratamento não tinha remédios e seria feito com o uso das agulhas.
Ela respondeu: “Eu chamei, ocê veio, trouxe o doutor. O tratamento, ele que sabe!”
Deixei-os no pequeno quarto e ele deu início ao processo. Cerca de uma hora depois, Dona Lió estava dormindo e assim a deixamos.
No dia seguinte, Dr. Marcos me chamou pra retornar à casa dela e ver como ela estava.
Chegando lá, a velha Lió não só estava de pé como varrendo seu quintal. Com um largo sorriso disse: “ Ô agulhinha boa, doutor! Num tõ sentindo mais nada! Pode fazer mais uma vez?”
Dr. Marcos fez mais uma sessão de acupuntura e fomos embora, deixando-a dormindo novamente.
Dona Lió morreu uma semana depois.
Da minha parte, ficamos felizes em poder ajudar. Por outro lado, a interação quilombola e medicina oriental foi maravilhosa!

terça-feira, 5 de maio de 2015

Troca de presentes

Numa das muitas oportunidades que tive de conviver com Dona Lió, eu estava acompanhado por Nick, um amigo inglês muito rico que gosta de visitar comunidades tradicionais de todo o mundo e contribuir em projetos sócio-ambientais.

Ao passar alguns momentos com a velha matriarca, Nick estava embevecido com o amor e a sabedoria de suas palavras, difíceis de ser traduzidas simultaneamente para a Língua Inglesa com o mesmo sentido.

Como sempre, tomamos café de duas mãos, com uma quitanda fresquinha saída do forno.
Ao nos despedirmos, Nick pegou algumas notas de vinte reais, fez um rolinho e discretamente entregou nas mãos da dela como um presente, agradecendo o lanche, a acolhida e a atenção dispensada.

Dona Lió não hesitou em receber o presente e pediu que esperássemos um pouco.

Voltou com uma galinha viva nas mãos e disse ao Nick: “Eu tamém gostchei muntcho do sinhô. Brigado pela visita. Pode levá a galinha. É um presente meu pru sinhô"!

E deu a galinha ao Nick, que não teve como recusá-la.
Despedimos-nos e levamos a galinha para o galinheiro da minha casa em Teresina de Goiás.

Meses depois, fotografei a galinha com uma ninhada de pintinhos e enviei a foto ao Nick. No ano seguinte ele voltou.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Ação Kalunga – O Boi Verde





Ação Kalunga – O Boi Verde

No final do ano de 2001 foi realizada em Teresina de Goiás, uma reunião dos técnicos 
responsáveis pela execução da Ação Kalunga, representando diversos órgãos e instituições governamentais, com lideranças e demais membros da comunidade, sempre muito interessados na regulamentação fundiária do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga. Como sempre presentes, José Ronaldo, amigo e consultor e entendendor das práticas agrícolas e especialmente as dos Kalunga, lideranças  locais e eu, como consultir do WWF-Brasil para a Reserva da Biosfera de Cerrado GOYAZ e Projeto Veadeiros.

Os representantes institucionais, munidos de equipamentos modernos como laptop, data show e apresentações em Power Point, tentavam , sem muito sucesso, explicar a situação atual do projeto através de gráficos e muitas expressões técnicas e siglas.

Os Kalunga presentes prestavam atenção a tudo, sem entender muito o que era falado.

Um técnico da Agência Rural do Governo de Goiás, comentou em sua palestra que os Kalungas poderiam criar o  “BOI VERDE” no território, referindo-se ao Boi Orgânico para produção de carne.

Atônito, um dos Kalunga o interrompeu : “ Eu cunhêço boi branco, prêto, baio, maiado, vremêio, mas verde eu nunca vi !!!

Todos concordaram  e o técnico não explicou o que queria dizer.
Foi difícil conter o riso na ocasião.

Ele só não sabia que os Kalunga historicamente criaram o gado Curraleiro com técnicas naturais - Boi Orgânico ou Verde, até que foram ensinados a usarem novas tecnologias e produtos modernos da pecuária atual.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Longe da prefeição






Longe da prefeição

Certa ocasião, durante a campanha para eleições municipais, o então prefeito de Teresina de Goiás e candidato à re-eleição, esteve na Fazenda Ema – Sítio Kalunga, em campanha.
Chegou na casa de Dona Leó, a cumprimentou, tomou café, pediu seu voto e os da comunidade, despediu-se e partiu em direção aos outros conglomerados familares da região.
A velha Kalunga, sorridente e com o  bom humor de sempre, me disse:
“Ó meu fio, esses políticos tão procurando por uma pá” !
“Uma pá“? -pensei eu. Perguntei a ela: “Como uma pá, Dona Leó”?
Ela respondeu: “Uma pá pra escorá”!- batendo forte na minha omoplata.
E continuou: “Ô Lana, esses prefeito pensa qui é prefeito, acha qui é prefeito, mas tão longe da prefeição”!


Demos boas risadas e continuamos a prosa.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Do tamanho que a gente quer

Do tamanho que a gente quer

Tarde quente na Ema. Procurava eu pelo Dino, guia Kalunga e grande amigo, quando passei pela casa de D. Leó para ter notícias dele e para pedir a benção da velha matriarca.
Lá chegando, fui entrando e, como de costume, havia visitas. Desta feita era o Véi Vito com seus 102 anos, morador do Vão de Almas, bem próximo à cachoeira final do Custa-me-ver, no Rio Almas, neste local denominado pelos Kalunga de Rio Branco.
Após muita prosa, café com rapadura e mintira, um delicioso bolinho frito de polvilho e ovos caipira, o tempo fecha, escurecendo o céu.

Os dois velhos levaram a prosa para a tempestade que estava prestes a cair.

O Véi Vito então disse: “Ô Lió ! Aqui nesse mundo eu só tenho medo de rai!
Ela respondeu: Eu tenho medo de rai e de chuva de barui. Tamém tenho medo da escravidão. Nóis num alcançô, mas minha mãe me contô  cumo era!!!

E finalizou com um sorriso : “Mas tem nada não, Véi Vito ! A raiva e o medo é do tamanho qui a gente qué!


Em meio a trovões, esperamos a chuva passar conversando e tomando “café de duas mão” (1).


(1) Café acompanhado por uma quitanda.

segunda-feira, 23 de março de 2015

As dificulidades

As dificulidades

No início do meu trabalho no Sítio Kalunga, eu tinha uma imensa vontade de conhecer o Vão de Almas. Nome místico, descrições maravilhosas, lugar quase inacessível. Conhecer o vão é privilégio de poucos. Exclusividade é a melhor palavra para descrever a sensação de estar lá. 
Estávamos nós na casa de Ester Fernandes de Castro , na Fazenda Ema, conversando com alguns membros da comunidade, quando o Marcelo Sáfadi, meu companheiro, perguntou:
- “ Ô  “Seu” Augusto, como é o Vão de Almas ? Como chegar lá ? O senhor pode nos levar lá um dia?” 
Augustão, como era conhecido na comunidade, respondeu:
-“Ocêis qué í lá nas dificulidade ? Tá bão, eu vô levá ocêis lá no Vão de Alma”
 Algumas semanas depois, partimos num grupo de cinco visitantes numa viagem no lombo de mula, transpondo a Serra da Boa Vista ou do Kalunga na estrada cavaleira até o Vão de Almas. Foi a primeira de uma série.

segunda-feira, 16 de março de 2015

A entrevista

A entrevista


Na segunda vez que estive na casa de Emiliano, na região da Vazante, no Vão de Almas, eu fazia parte de uma equipe de estudos e pesquisas do WWF-Brasil, composta pelo coordenador Ricardo Mesquita, pelo estagiária Lorena Rodrigues, pelo  cineasta Pedro Nabuco, por Emiliano, por “Seu” Augustão”  e por Dino, Kalunga  da Fazenda Ema.
Após almoço no Pouso do Padre, à beira do Rio Branco ( Almas), partimos em direção da casa de Emílio, como é conhecido, para pernoite.
No dia seguinte, banho no verde rio Capivara, juntamente com os filhos de Emílio.
Antes de partir para a próxima parada, Lorena iniciou uma entrevista para preenchimento do formulário da pesquisa. Entraram em casa enquanto nós preparávamos os animais e as tralhas de viagem.
A entrevista durava cerca de 30 minutos, mas desta vez, estava demorando mais. Uma hora se passou e nada da entrevista acabar. Quarenta minutos depois, Emílio e Lorena saíram. Ele, sério e ela, em prantos, emocionada!
Perguntei imediatamente o que havia acontecido.
Lorena respondeu : “ Lana, não consegui preencher um campo sequer ! Liguei o gravador, fiz a primeira pergunta e o Emílio não parou de falar da luta e da história dos Kalunga ! “ 

E desabou a chorar !

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Homem da SANEAGO



O Homem da SANEAGO


Cumprindo mais uma etapa do programa “ Ação Kalunga”, do Governo Federal. Um técnico da SANEAGO – Água e Saneamento de Goiás S.A.– chegou à casa de D. Leó.
Logo tirou uma planta de um pequeno banheiro com caixa d´água e um tanque com uma torneira e começou sua explicação dizendo que, em breve, ela teria apenas que abrir a torneira e teria água bem na porta de casa.
Ela olhou, olhou , e disse: “ Esta tal de torneira é o recursinho igual a qui tem na casa de Grigório ?”
O homem da SANEAGO, todo animado, foi dizendo que sim, que era igualzinha.
D. Leó respondeu: “ Eu num quero esta agüinha minguada, não ! Eu gosto de banhá e de lavá minhas rôpa e minhas vasia é lá no rio.”
O homem da SANEAGO argumentou então: “ A senhora não vai precisar mais ir ao rio!”

A pronta resposta foi: “ Mas eu gosto de ir no rio ! Tem cinqüenta ano que eu vô lá duas, treis veiz por dia desde minina !” O sinhô leva esta agüinha minguada pra ôtro!”

quinta-feira, 5 de março de 2015

A Arara, o Mico, a Onça e a Peixa - os “bicho no bolso”!

A Arara, o Mico, a Onça e a Peixa - os “bicho no bolso”!

Hoje é março no Kalunga. Amanhã é abril depois vem maio,e junho. Aí começam as festas. No dia 15 é o Império de N. S. d’Abadia, a famosa festa da romaria do Vão de Almas.
É como ir a Meca para os muçulmanos. Kalungueiro que pode estar lá, estará lá. E eles chegam para a festa provenientes de todas as comunidades do extenso sítio Kalunga e região vizinha, viajando muitos quilômetros a pé ou de mula.
Os que trabalham fora, em Cavalcante, Alto Paraíso, Brasília e Goiânia, planejam suas férias em  agosto para poderem estar lá.
Para ir para a romaria, só em grande estilo e, para tal, todos fazem suas economias para poder comprar roupas, chapéus e botas novas, além dos equipamentos de cavalgar, como novos arreios e implementos e até um cavalo ou uma mula melhor.
Para se dar bem com as garotas, os moços kalunga têm que estar bem. Bem com a vida e bem na aparência.
Eles também têm que estar com os “bicho no bolso” !
Certa vez, na romaria, um companheiro pergunta para o Xodó, grande amigo kalunga do Vão de Almas se ele tinha dinheiro.
Ele imediatamente respondeu feliz: “ Tenho sim ! Duas arara, um mico, duas onça e uma peixa! “
O outro responde : “Ah, intão ce ta podendo, uá ! Paga uma cerveja prá nóis”

Deduzi então que o Xodó tinha R$ 240,00, que para a ocasião, era um dinheiro suficiente para todos os cinco dias de festa.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Ombro Pequeno

                                                          Ombro Pequeno

No ano 2000 adquiri uma pequena propriedade perto ao Sítio Kalunga e resolvi lá construir uma casinha Kalunga. Para isto, contratei meu querido amigo e guia Dino e seus companheiros.
Estrutura do telhado levantada, partimos para a tarefa de cobrir a casa com o telhado de palha de da palmeira Pindoba, conforme reza a tradição local.
Dino e seus companheiros colheram milhares de folhas para a cobertura em um local distante cerca de três quilômetros da construção.
As folhas foram dispostas em dezenas feixes de cem folhas cada.
Peguei a caminhonete e lá fui eu, de encontro aos companheiros, seguindo uma estrada abandonada.
Lá chegando, logo tratamos de carregar a caminhonete.
Como a carga não coube no veículo, fui logo dizendo : “ Ô Dino ! Caminhonete pequena né?”
Ele respondeu de pronto: “ Pequena não, “Seu “ Lana !  Pequeno é o ombro da gente!
‘Tamo acostumado a levar os feixe no ombro e caminhar longos trechos para construir uma casa. Dá mais de trinta viage pra cada um”.

Fiquei pasmo e de bico calado diante da resposta.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O fotógrafo




O fotógrafo


Pela ocasião da visita do Presidente Lula ao Sítio Kalunga, mais precisamente no Comunidade do Engenho no município de Cavalcante, o  fotógrafo Weimer Carvalho do jornal O Popular de Goiânia quis visitar  uma casa tradicional para fazer umas fotos dos moradores e de seu dia-a-dia sem energia elétrica.
Ele me procurou no dia seguinte e eu o levei até a casa de Dona Leó.
Havia pouco tempo que as câmeras digitais estavam disponíveis no mercado e o fotógrafo tirou uma câmara bem moderna e cheia de recursos.
Chegando lá, foto daqui, foto dali, especialmente da Dona Leó, muitas, mas muitas fotos batidas.
A velha senhora ficou incomodada, pois ela não gostava de fotos, pois segundo ela “os ôtro cunhece nóis, mas nóis não cunhece os ôtro” e geralmente, fotógrafos e visitantes batiam uma, duas , no máximo três fotos, com máquinas analógicas.
Certo momento, ela perguntou: “Ô moço, quantas foto o sinhô tirou desta véia?”
O fotógrafo, meio sem graça, respondeu: “68, Dona Leó”.

Ela, com seu bom humor de sempre: “68 ? O sinhô deve te me achado muito bunita ! O sinhô qué casá mais eu?”

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Homem do INPE II





O Homem do INPE II


José Antonio, o homem do INPE, começa a explicar a razão de sua visita, dizendo o que é o INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e que a região era muito propícia para a instalação de um telescópio a micro-ondas por a região ter pouca interferência de sinais de rádio e celulares.
Começou a explicar a função e a missão do instituto e a dar explicações detalhadas sobre a tecnologia do projeto e sobre as estrelas, planetas e demais astros celestes.

A todo o momento, D. Leó o interrompia desinteressada e voltava ao assunto dos partos e das dificuldades enfrentadas por ela nestes momentos com a Marlene.

O homem do INPE insistia em suas explanações ....

Um dado momento, D. Leó se voltou para ele, apontou o dedo indicador para o céu, e disse:

“ Ó moço ! Deus disse qui o dia qui o Céu e a Terra ´tivé perto qui nem o nariz  e a boca, este mundo vai acabá ! Eu acho mió o sinhô i imbora dessa comunidade.”

José Antonio e seu companheiros, os “hôme” do INPE, juntaram suas coisas e partiram apressados rumo a Brasília.








quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Homem do INPE I





O Homem do INPE I


Manhã de domingo, forte calor na Ema – Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, em Teresina de Goiás.
Estávamos meu irmão José Carlos, farmacêutico-bioquímico, sua mulher Marlene, enfermeira em um grande hospital de Belo Horizonte e eu, na casa de Dona Leó.
A conversa andava animada. As mulheres falavam de partos – D. Leó, em  sua experiência como parteira e Marlene, como enfermeira profissional.
Meu irmão Zé e eu apenas ouvíamos atentamente.

Foi quando chegou um carro, com dois homens e Ester, vereadora e representante da comunidade e sobrinha da D. Leó.

Um dos homens disse: “ Bom dia Tia Leó, eu sou José Antonio, do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais !” ...... e ela respondeu : “ Bom dia, mas num sô sua tia, sô tia de Ester !  E aquele ali é meu fio", apontando para mim. 
"O sinhô é di quê, mermo?“ - perguntou impaciente.
O homem continuou, tirou uma foto de uma adolescente e disse : “ Sou do INPE, Dona Leó. Esta é minha filha. Ela não consegue passar de ano. Ela já repetiu a 8ª série  três vezes.  O que a senhora pode fazer por ela ?”

Dona Leó pensou um pouco e respondeu : “ Marmoço !!!! Nem prefessora eu sô, nem leitura eu tenho ! Como esta veia pode ajudá esta minina ? Ela tem é qui estudá !!!!!”



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O Guia e a Mula








O Guia e a Mula

Em 2002, durante uma das reuniões com a comunidade para a formatação do “cluster” das Trilhas Kalunga, buscamos definir os serviços turísticos a serem prestados aos visitantes, como guiagem, aluguel de animais de carga e montaria, refeições e camping.
Na ocasião, chegamos à conclusão que R$ 30 seriam suficientes para remunerar um guia sem treinamento, sendo que, após a capacitação, a diária teria seu valor aumentado.
Bem, ao combinarmos a diária de um animal de carga e/ou montaria, os proprietários de tropa pediram R$ 50 pela diária de aluguel, com o animal arreado.
Argumentei então que a diária de um animal não poderia valer mais que a de um ser humano.
Alguém na reunião respondeu : “ Mais é ! Aqui, uma mula boa é mió qui uma muié ruim” !
Então eu repliquei: “Qualquer coisa é melhor que uma mulher ruim “!!!
E todos nós caímos no riso.......


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Cadê o bunito !




Cadê o bunito !


15 de Agosto de 2001. Estávamos na Romaria de N.S. d´Abadia, no Vão de Almas. Tinha terminado o Império e todos estavam por ali, conversando, descansando ou rezando.
Dona Procópia, que já havia sido recebida pela Condoleezza Rice - Secretária de Estado dos EUA, estava sentada num caixote, tomando uma pinguinha.
De repente, ela se levantou, pediu para ligar o som, pegou o microfone, subiu no caixote e começou a discursar:

“ Atenção kalungueiro ! O fazendeiro branco diz qui é dono do Kalunga. Se ele é mermo dono do Kalunga, cadê ele, que não tá aqui mais nóis ? Se o fazendeiro branco é dono dessas terra, cadê ele?
Pruquê qui ele num veio festá mais nóis ?
Se o bunito é dono do Kalunga, cadê o bunito que num ta aqui mais a comunidade? Se ele num veio, é pruquê ele não pertence ao Kalunga e sim a terra ! A terra pertence aos Kalunga e é só dela que nóis pricisa!”

Todos apoiaram  e aplaudiram a matriarca Dona Procópia, velha guerreira, liderança a toda prova !


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Hoje é maio




Hoje é maio

Nas minhas primeiras visitas à Comunidade Kalunga, sempre passava na casa de Dona Leó, pois sempre pensei que a cada visita recebia um ensinamento e
conhecia melhor o seu povo e  a sua cultura. A cada visita, ela se mostrava mais íntima, me contava muitas histórias das eras antigas, dos tronco véi kalunga.
Quando lhe perguntei quando começavam as festas, ela me respondeu:
“Dispois na coieta, quando caba as chuva.”  E continuou:
Hoje é maio, amanhã é junho, com os festejo de São João; dispois é julho, é agosto, com a Romaria de Nossa Sinhora d’Abadia no Vão de Almas. E ainda em setembro, tem Romaria de N. S. do Livramento, no Vão do Moleque”. 
E eu, com minha agenda lotada, dia-a-dia, hora-a-hora.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Um homem chamado Governo





Um homem chamado Governo

Durante a gravação do programa Globo Repórter em 2002, acompanhei a equipe a  vários pontos do Sítio Kalunga, de carro, a pé e de helicóptero nos locais mais afastados. 
Saindo da casa de Dona Procópia, no Riachão, voamos por cima da serra até o Vão do Moleque. De longe avistamos uma casinha isolada, perto da Cachoeira dos Porcos e  pousamos num campo próximo.
Logo, um homem foi se aproximando, assustado, mas muito curioso, vestindo uma camisa da CBF.
Era junho, véspera da Copa do Mundo e perto das eleições presidenciais.
Fomos logo nos apresentando e ele disse se chamar Elói.
A repórter então perguntou: - “ Sr. Elói, o senhor está usando uma camisa da Seleção Brasileira “?
Ele respondeu: “Esta amarelinha aqui ? Camisa di quê mermo?
A repórter continuou: “Da Seleção Brasileira de Futebol” !
“Seu” Elói respondeu: “Ah !  Eu num conheço nada de futibol não. Eu só vi uma vez, na televisão, em Cavalcante”.
A repórter então perguntou : “ O senhor já ouviu falar em Ronaldinho “?
“Não, sinhora “, respondeu ele.
“O senhor conhece o Felipão”? – insistiu ela.
“Seu” Elói replicou: “Filipão, o prefeito de Cavalcante? Conheço, sim “ !
“O senhor conhece o  Lula” ?-  continuou ela.
“Não sinhora “.
“O Fernando Henrique Cardoso”?
“Não sinhora”.
“O Presidente, o Governo “!! – insistiu ela novamente.
“Ah ! este eu já ouvi falar. Este hôme, este tal de Guverno, num presta!

Este hôme, o Guverno, nunca veio aqui no Vão do Moleque”!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Visita à Cidade de Goiás I – Casa de Cora







                                          Visita à Cidade de Goiás I – Casa de Cora

Ao sairmos da reunião sobre Religiosidade Afro-Brasileira no I Encontro Afro-goiano/SEBRAE, na Cidade de Goiás, em maio de 2004, dei início à visitação aos principais atrativos da cidade, com foco na construção com mão-de-obra escrava.
Ao chegarmos à Casa de Cora, memorial a Cora Coralina, grande poetisa já falecida, eles perceberam que a casa continuava intacta como se ela ainda estivesse morando lá. Comentaram os detalhes, como o fósforo e a vela no criado, as panelas no fogão, como ela estivesse  ainda viva.
Foi então que “Seu” Simplício disse: “Nóis tem que fazer a mesma coisa com as casa das véia kalunga - Casa de Leó, Casa de Procópia, Casa de Santina e outras”.
Daí saiu a idéia do Memorial Casa de Leó, no complexo da casa de  Dona Leonilda Fernandes de Castro,  na Fazenda Ema.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Ela tem que madurá !



Ela tem que madurá !

Sempre levei meus amigos diletos para conhecer o Povo Kalunga. Sempre os levava à Fazenda Ema, por ser de fácil acesso, ter uma comunidade tradicional e por lá viver a velha matriarca Dona Leó.

Em uma destas visitas, lá cheguei com o Marcelo Sáfadi,na ápoca presidente da Agência Goiana de Turismo, sua namorada Michele e um casal de amigos.

Conversa animada, cafezinho de duas mãos, com mintira (bolo frito de polvilho e ovos) e depois, um cigarrinho de palha, com palha e fumo orgânicos, produzidos por ela própria.

Pica fumo de lá, corta palha de cá, a prosa corre solta e alegre, com risadas gostosas.

Foi quando o Marcelo falou com Dona Leó:
“E então Dona Leó. O que a senhora achou de minha namorada?”

Ela só respondeu: “Ela pricisa madurá mais ! Muito novinha !”


Marcelo e Michele se casaram e hoje têm um lindo casal de filhos, Caetano e Catarina.

A memória é como um rio




A memória é como um rio


Dona Leó, ao ser perguntada sobre as velhas tradições Kalunga, os “tronco véi”, como falava ela, ou sobre alguma situação há muito passada ou sobre um parente ou ancestral, ela dizia:

“A memória da gente é como um rio. Nasce piquinininho, vai crescendo, forma um córgo, um riberão,....... um rio. Aí a gente lembra de tudo”!!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Emiliano, o Pequizeiro e o Morro



Emiliano,  o Pequizeiro e o Morro

Conheci Emiliano por ocasião das primeiras incursões ao Kalunga pelo WWF em 2001 quando saímos do Engenho-Cavalcante,  Ricardo Mesquita - WWF,  Zico, Secretário de Meio Ambiente e Turismo de Cavalcante, Pedro Nabuco, cineasta e eu, juntamente com os guias Benedito e .Salomão, rumo ao Vão de Almas.
Logo no início da longa viagem em lombo de mula, encontramos Emiliano descendo a serra a pé e ele logo veio conversando e perguntando se podíamos viajar juntos.
Como não tínhamos uma rota definida, seguimos Emiliano, passando pela Água Perdida,  Brocotó até chegarmos ao Vão de Almas, e umas quatro horas depois, chegamos na casa de Emílio, como é conhecido na comunidade.
Mulher e nove filhos, sendo Zé - o mais velho com seus 18 anos, seguido de Paulino com 16 e uma renca de crianças, meninos e meninas, até a nenenzinha de colo.
Linda casa Kalunga, de frente para o Vão e um velho tronco seco de um pequizeiro. Nos fundos da casa, o rio Gameleira, com suas águas verdes cristalina,onde tomamos um refrescante banho após a jornada.
Dos fundos da casa avista-se o Morro Moleque Encantado, uma grande montanha com beleza ímpar e grandiosidade. Ao comentar o privilégio de morar em um lugar daqueles, com uma vista maravilhosa para o morro, Emiliano respondeu: “ Fiz a casa de frente para o Pequizeiro  por causa da beleza da árvore .  Se eu soubesse que ela ia morrer antes de mim, faria a casa de frente pro morro, pois ele nunca morrerá”.


Emiliano Ferreira dos Santos, o Emílio do Vão de Almas.







Emiliano Ferreira dos Santos, o Emílio do Vão de Almas.

Conheci Emiliano quando nosso grupo, composto de técnicos em desenvolvimento sustentável, descia para o Vão de Almas pelo Engenho II (Cavalcante), na nossa primeira cavalgada por essa trilha.
Nós e nossos guias nas mulas e Emiliano a pé. Vestia uma bermuda, sandálias havaianas e uma camisa do Unibanco. Ao longo do caminho, a passos largos epitando um porronco, Emilio, como é conhecido na comunidade, ia e contando histórias e relatando os fatos das comunidades Kalunga.
Nos levou até sua casa, onde acampamos para pernoite num  belo local à beira do  rio Capivara, com sua águas verde-esmeralda.
Família grande, cheia de crianças, adolescentes e um filho adulto, o José. A casa de Emílio se tornou nosso ponto de parada e pernoite nas inúmeras viagens que realizamos passando pelo Vão de Almas.
Mestre Emiliano continua a emocionar as pessoas com seus relatos

Salve Emiliano!  Com sua permissão relato alguns de nossos encontros.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Benzeção da Mula




A Benzeção da Mula


Em Outubro de 2002, o grupo composto por dois consultores em cavalgadas gaúchos, Roselice e Selma, monitoras locais de Teresina de Goiás e Cavalcante, os guias Kalunga Dino e Emiliano e eu, partimos da Fazenda Ema para realização de uma viagem de planejamento da Cavalgada Científica Kalunga, prevista para novembro, com  participação de pesquisadores de diversas áreas científicas

Após viajarmos pela estrada cavaleira o dia todo, subindo e descendo serras, atravessando rios e pulando pedras, logo à tardinha minha mula se deitou, com dor de barriga, provavelmente cólicas intestinais. Daí a pouco, ela se levantou e continuamos a viagem, chegamos à casa de “Seu” Augusto, velho amigo de viagens.
Ao chegarmos, a mula se deitou de novo e não levantou mais. “Seu” Augusto tirou a sela e o freio da mula e pediu a sua filha eu trouxesse um ovo de galinha, prontamente providenciado.
Pegou o ovo e o enfiou no ânus da mula. Em segundos, a mula contraiu o ânus e quebrou o ovo.
“Seu” Augusto disse: “É,  .....  tá grave !
 
Pegou o freio com a cabeçada e tudo e começou a rezar a Ave-Maria, batendo com ele na barriga da mula. A cada frase, uma lambada!!!
“Ave-Maria” .........laaap!!!   “Cheia de graça” .......laaap !!!  “O Senhor é convosco”..........laaap !!!! ........ até que, no final da reza, ele gritou “Ajuuuda !!!”

A mula se levantou imediatamente !!

Selma, a monitora, comentou: “ Ô Augustão ! Quando eu estiver de cólicas não me venha com esta benzeção, hein ???

As lambadas tiraram todos os gases do intestino da mula e ela ficou boa.

Logo após, seguimos viagem até a casa de Emiliano, onde pernoitamos.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Homem da SANEAGO









O Homem da SANEAGO 

Cumprindo mais uma etapa do programa “ Ação Kalunga”, do Governo Federal. Um técnico da SANEAGO – Água e Saneamento de Goiás S.A.– chegou à casa de D. Leó.
Logo tirou uma planta de um pequeno banheiro com caixa d´água e um tanque com uma torneira e começou sua explicação dizendo que, em breve, ela teria apenas que abrir a torneira e teria água bem na porta de casa.
Ela olhou, olhou , e disse: “ Esta tal de torneira é o recursinho igual a qui tem na casa de Grigório ?”
O homem da SANEAGO, todo animado, foi dizendo que sim, que era igualzinha.
D. Leó respondeu: “ Eu num quero esta agüinha minguada, não ! Eu gosto de banhá e de lavá minhas rôpa e minhas vasia é lá no rio.”
O homem da SANEAGO argumentou então: “ A senhora não vai precisar mais ir ao rio!”
A pronta resposta foi: “ Mas eu gosto de ir no rio ! Tem cinqüenta ano que eu vô lá duas, treis veiz por dia desde minina !” O sinhô leva esta agüinha minguada pra ôtro!”



terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Homem da Celg





O Homem da CELG


Durante uma das minhas freqüentes visitas a D. Lió, chegou um carro a  serviço da CELG – Centrais Elétricas de Goiás.
O técnico desceu do carro e logo pega o padrão de eletricidade e gritou: “Ô de casa!”
D. Lió atendeu a porta : “ O qui é, meu fio?”
O homem disse: “ Onde a senhora quer que eu coloque a padrão ?”
D. Lió respondeu prontamente : “ Não tenho patrão, não sinhô ! Eu sô liberta !”
“Não é patrão, é padrão de eletricidade”- respondeu ele.
Dona Lió pára um pouco e perguntou : “ Di luz ?”
O homem da CELG respondeu afirmativamente, todo alegre. Mas ela disse: “ Eu drumo as 6 horas todo dia, acordo as 5 da manhã, não tenho ninhum aparêio, pra que qu´eu quero isto? Prá pagar conta todo mês ?
Já disse : Eu sô liberta!” 

E eu me senti um escravo das contas mensais!


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sonho de Consumo










Sonho de Consumo


Durante uma das viagens de estudos e pesquisas ao Vão de Almas-Sítio Kalunga ,em 2001, com o grupo ficou hospedado na casa de Emiliano, às margens do Rio Gameleira, com suas águas cristalinas verde-esmeralda e praias brancas.

Na área de acampamento organizada por Emiliano, José e Paulino, fizemos uma fogueira à noite. Todos se sentaram ao redor da fogueira para se esquentar  e logo as conversas e  “causos” tiveram início.
Surgiu então a conversa do “sonho de consumo” , com a participação apenas dos visitantes.
O primeiro disse: “Meu sonho de consumo é uma Land Rover, para eu poder andar pelos sertões sem problemas”.
O segundo disse: “O meu sonho de consumo é uma casa de campo, isolada, mas com celular e Internet”.
O terceiro disse: “Meu sonho de consumo é viver numa ilha tropical”.
Foi então que o  kalunga Paulino, 17 anos, filho do Professor Emiliano, perguntou em bom Português: “Sonho de consumo que vocês estão falando aí e uma coisa que a gente quer muito na vida “?
Ao receber resposta afirmativa, ele disse: “Meu sonho de consumo é um porta capa-de-chuva de couro,bem bonita, para eu colocar na minha mulinha”.


De volta a Goiânia, fui na Campininha para consertar meu carro e lá, numa selaria na Av. Anhanguera, me deparo com o sonho de consumo do Paulino, o porta-capa. Comprei-o por R$ 35,00 e levei de presente para ele.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Joãozinho e o menino branco







Joãozinho e o menino branco


Manhã de sábado no Engenho. Dia claro, muito calor e um banho de rio faria muito bem.
Estávamos eu, Arlethe (Kalunga do outro lado do Paraná, no Tocantins) e nosso filho João Francisco na época com 4 anos de idade, na casa de Sirilo e Dona Getúlia.

Chega um carro de visitantes, um casal de suíços com um menino de uns 3 ou 4 anos, todos branquíssimos e loiríssimos prateados.

João, acostumado em conviver com os Kalunga e com sua família negra por parte de mãe, me perguntou:
“Pai,  e este menino branquinho? Compra ele pra mim?”

Dona Getúlia logo respondeu: “Mas môço ! Nóis qui era escravo e João querendo comprar minino branco!”


Todos riram, mas os Suíços nada entenderam. 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Carmanjo e a melhor parte da galinha









O  Carmanjo e a melhor parte da galinha


Carmanjo é um personagem do folclore Kalunga. É um sujeito inteligente, bem-humorado,  mas é espertalhão e gosta de levar vantagem em tudo.
Os Kalunga contam várias histórias do Carmanjo, dentre elas a que se segue:

Numa noite escura, já bem tarde, o Carmanjo, navegando  pelo Vão de Almas em sua mulinha, passa por uma casa e grita:
“ Kalungueiro ! Qual é a melhor parte da galinha?”
O morador da casa responde, lá de dentro:
“É o ovo ! (1)  O Carmanjo toca em frente e vai embora.
Um mês depois (2)  , o Carmanjo volta pela mesma estrada cavaleira e , passando pela mesma casa à noite, grita: “Com quê?”
O morador Kalunga responde : “Com sal !” (3) 



(1) Sustentabilidade – os Kalunga não gostam de matar galinhas, pois as preferem para produção de ovos e para reprodução.
(2) Tempo – nas regiões mais remotas, uma semana ou um mês faz pouca diferença no tempo ( Vide Hoje é maio).

(3)  O Sal – muito raro e caro. Era buscado de barcaça em Belém do Pará, pelos rios Paraná e Tocantins. Um prato de sal equivalia a dois dias de trabalho.

A Vigília do Sereno







A Vigília do Sereno


Noite de São João. No povoado ritualístico ao redor da Capela do Vão de Almas, a comunidade se reúne em três dias de festas em louvor a São João Batista. Durante os festejos, muitos “adjuntos” (reuniões), muitos encontros, muita reza, muita comida e bebidas. Fartura de um festejo kalunga.

Na noite de São João, após a folia passar de casa em casa, abençoando a todos com a bandeira, os “tronco véio” ( os patriarcas) se reúnem em torno de uma fogueira.

 Colocam uma pedra chata ou uma taboa no chão e sobre ela seis pedrinhas de sal, significando os meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março, respectivamente.

Em seguida, eles ficam a noite toda “vigiando o sereno”.
De manhã, as pedras que estiverem mais derretidas apontam os meses de maior ocorrência das chuvas.


Assim, com a Vigília do Sereno, os Kalunga definem os melhores meses de iniciarem o plantio de suas roças, para a produção das comidas provisórias.