quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Visita à Cidade de Goiás I – Casa de Cora







                                          Visita à Cidade de Goiás I – Casa de Cora

Ao sairmos da reunião sobre Religiosidade Afro-Brasileira no I Encontro Afro-goiano/SEBRAE, na Cidade de Goiás, em maio de 2004, dei início à visitação aos principais atrativos da cidade, com foco na construção com mão-de-obra escrava.
Ao chegarmos à Casa de Cora, memorial a Cora Coralina, grande poetisa já falecida, eles perceberam que a casa continuava intacta como se ela ainda estivesse morando lá. Comentaram os detalhes, como o fósforo e a vela no criado, as panelas no fogão, como ela estivesse  ainda viva.
Foi então que “Seu” Simplício disse: “Nóis tem que fazer a mesma coisa com as casa das véia kalunga - Casa de Leó, Casa de Procópia, Casa de Santina e outras”.
Daí saiu a idéia do Memorial Casa de Leó, no complexo da casa de  Dona Leonilda Fernandes de Castro,  na Fazenda Ema.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Ela tem que madurá !



Ela tem que madurá !

Sempre levei meus amigos diletos para conhecer o Povo Kalunga. Sempre os levava à Fazenda Ema, por ser de fácil acesso, ter uma comunidade tradicional e por lá viver a velha matriarca Dona Leó.

Em uma destas visitas, lá cheguei com o Marcelo Sáfadi,na ápoca presidente da Agência Goiana de Turismo, sua namorada Michele e um casal de amigos.

Conversa animada, cafezinho de duas mãos, com mintira (bolo frito de polvilho e ovos) e depois, um cigarrinho de palha, com palha e fumo orgânicos, produzidos por ela própria.

Pica fumo de lá, corta palha de cá, a prosa corre solta e alegre, com risadas gostosas.

Foi quando o Marcelo falou com Dona Leó:
“E então Dona Leó. O que a senhora achou de minha namorada?”

Ela só respondeu: “Ela pricisa madurá mais ! Muito novinha !”


Marcelo e Michele se casaram e hoje têm um lindo casal de filhos, Caetano e Catarina.

A memória é como um rio




A memória é como um rio


Dona Leó, ao ser perguntada sobre as velhas tradições Kalunga, os “tronco véi”, como falava ela, ou sobre alguma situação há muito passada ou sobre um parente ou ancestral, ela dizia:

“A memória da gente é como um rio. Nasce piquinininho, vai crescendo, forma um córgo, um riberão,....... um rio. Aí a gente lembra de tudo”!!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Emiliano, o Pequizeiro e o Morro



Emiliano,  o Pequizeiro e o Morro

Conheci Emiliano por ocasião das primeiras incursões ao Kalunga pelo WWF em 2001 quando saímos do Engenho-Cavalcante,  Ricardo Mesquita - WWF,  Zico, Secretário de Meio Ambiente e Turismo de Cavalcante, Pedro Nabuco, cineasta e eu, juntamente com os guias Benedito e .Salomão, rumo ao Vão de Almas.
Logo no início da longa viagem em lombo de mula, encontramos Emiliano descendo a serra a pé e ele logo veio conversando e perguntando se podíamos viajar juntos.
Como não tínhamos uma rota definida, seguimos Emiliano, passando pela Água Perdida,  Brocotó até chegarmos ao Vão de Almas, e umas quatro horas depois, chegamos na casa de Emílio, como é conhecido na comunidade.
Mulher e nove filhos, sendo Zé - o mais velho com seus 18 anos, seguido de Paulino com 16 e uma renca de crianças, meninos e meninas, até a nenenzinha de colo.
Linda casa Kalunga, de frente para o Vão e um velho tronco seco de um pequizeiro. Nos fundos da casa, o rio Gameleira, com suas águas verdes cristalina,onde tomamos um refrescante banho após a jornada.
Dos fundos da casa avista-se o Morro Moleque Encantado, uma grande montanha com beleza ímpar e grandiosidade. Ao comentar o privilégio de morar em um lugar daqueles, com uma vista maravilhosa para o morro, Emiliano respondeu: “ Fiz a casa de frente para o Pequizeiro  por causa da beleza da árvore .  Se eu soubesse que ela ia morrer antes de mim, faria a casa de frente pro morro, pois ele nunca morrerá”.


Emiliano Ferreira dos Santos, o Emílio do Vão de Almas.







Emiliano Ferreira dos Santos, o Emílio do Vão de Almas.

Conheci Emiliano quando nosso grupo, composto de técnicos em desenvolvimento sustentável, descia para o Vão de Almas pelo Engenho II (Cavalcante), na nossa primeira cavalgada por essa trilha.
Nós e nossos guias nas mulas e Emiliano a pé. Vestia uma bermuda, sandálias havaianas e uma camisa do Unibanco. Ao longo do caminho, a passos largos epitando um porronco, Emilio, como é conhecido na comunidade, ia e contando histórias e relatando os fatos das comunidades Kalunga.
Nos levou até sua casa, onde acampamos para pernoite num  belo local à beira do  rio Capivara, com sua águas verde-esmeralda.
Família grande, cheia de crianças, adolescentes e um filho adulto, o José. A casa de Emílio se tornou nosso ponto de parada e pernoite nas inúmeras viagens que realizamos passando pelo Vão de Almas.
Mestre Emiliano continua a emocionar as pessoas com seus relatos

Salve Emiliano!  Com sua permissão relato alguns de nossos encontros.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Benzeção da Mula




A Benzeção da Mula


Em Outubro de 2002, o grupo composto por dois consultores em cavalgadas gaúchos, Roselice e Selma, monitoras locais de Teresina de Goiás e Cavalcante, os guias Kalunga Dino e Emiliano e eu, partimos da Fazenda Ema para realização de uma viagem de planejamento da Cavalgada Científica Kalunga, prevista para novembro, com  participação de pesquisadores de diversas áreas científicas

Após viajarmos pela estrada cavaleira o dia todo, subindo e descendo serras, atravessando rios e pulando pedras, logo à tardinha minha mula se deitou, com dor de barriga, provavelmente cólicas intestinais. Daí a pouco, ela se levantou e continuamos a viagem, chegamos à casa de “Seu” Augusto, velho amigo de viagens.
Ao chegarmos, a mula se deitou de novo e não levantou mais. “Seu” Augusto tirou a sela e o freio da mula e pediu a sua filha eu trouxesse um ovo de galinha, prontamente providenciado.
Pegou o ovo e o enfiou no ânus da mula. Em segundos, a mula contraiu o ânus e quebrou o ovo.
“Seu” Augusto disse: “É,  .....  tá grave !
 
Pegou o freio com a cabeçada e tudo e começou a rezar a Ave-Maria, batendo com ele na barriga da mula. A cada frase, uma lambada!!!
“Ave-Maria” .........laaap!!!   “Cheia de graça” .......laaap !!!  “O Senhor é convosco”..........laaap !!!! ........ até que, no final da reza, ele gritou “Ajuuuda !!!”

A mula se levantou imediatamente !!

Selma, a monitora, comentou: “ Ô Augustão ! Quando eu estiver de cólicas não me venha com esta benzeção, hein ???

As lambadas tiraram todos os gases do intestino da mula e ela ficou boa.

Logo após, seguimos viagem até a casa de Emiliano, onde pernoitamos.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Homem da SANEAGO









O Homem da SANEAGO 

Cumprindo mais uma etapa do programa “ Ação Kalunga”, do Governo Federal. Um técnico da SANEAGO – Água e Saneamento de Goiás S.A.– chegou à casa de D. Leó.
Logo tirou uma planta de um pequeno banheiro com caixa d´água e um tanque com uma torneira e começou sua explicação dizendo que, em breve, ela teria apenas que abrir a torneira e teria água bem na porta de casa.
Ela olhou, olhou , e disse: “ Esta tal de torneira é o recursinho igual a qui tem na casa de Grigório ?”
O homem da SANEAGO, todo animado, foi dizendo que sim, que era igualzinha.
D. Leó respondeu: “ Eu num quero esta agüinha minguada, não ! Eu gosto de banhá e de lavá minhas rôpa e minhas vasia é lá no rio.”
O homem da SANEAGO argumentou então: “ A senhora não vai precisar mais ir ao rio!”
A pronta resposta foi: “ Mas eu gosto de ir no rio ! Tem cinqüenta ano que eu vô lá duas, treis veiz por dia desde minina !” O sinhô leva esta agüinha minguada pra ôtro!”



terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Homem da Celg





O Homem da CELG


Durante uma das minhas freqüentes visitas a D. Lió, chegou um carro a  serviço da CELG – Centrais Elétricas de Goiás.
O técnico desceu do carro e logo pega o padrão de eletricidade e gritou: “Ô de casa!”
D. Lió atendeu a porta : “ O qui é, meu fio?”
O homem disse: “ Onde a senhora quer que eu coloque a padrão ?”
D. Lió respondeu prontamente : “ Não tenho patrão, não sinhô ! Eu sô liberta !”
“Não é patrão, é padrão de eletricidade”- respondeu ele.
Dona Lió pára um pouco e perguntou : “ Di luz ?”
O homem da CELG respondeu afirmativamente, todo alegre. Mas ela disse: “ Eu drumo as 6 horas todo dia, acordo as 5 da manhã, não tenho ninhum aparêio, pra que qu´eu quero isto? Prá pagar conta todo mês ?
Já disse : Eu sô liberta!” 

E eu me senti um escravo das contas mensais!


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sonho de Consumo










Sonho de Consumo


Durante uma das viagens de estudos e pesquisas ao Vão de Almas-Sítio Kalunga ,em 2001, com o grupo ficou hospedado na casa de Emiliano, às margens do Rio Gameleira, com suas águas cristalinas verde-esmeralda e praias brancas.

Na área de acampamento organizada por Emiliano, José e Paulino, fizemos uma fogueira à noite. Todos se sentaram ao redor da fogueira para se esquentar  e logo as conversas e  “causos” tiveram início.
Surgiu então a conversa do “sonho de consumo” , com a participação apenas dos visitantes.
O primeiro disse: “Meu sonho de consumo é uma Land Rover, para eu poder andar pelos sertões sem problemas”.
O segundo disse: “O meu sonho de consumo é uma casa de campo, isolada, mas com celular e Internet”.
O terceiro disse: “Meu sonho de consumo é viver numa ilha tropical”.
Foi então que o  kalunga Paulino, 17 anos, filho do Professor Emiliano, perguntou em bom Português: “Sonho de consumo que vocês estão falando aí e uma coisa que a gente quer muito na vida “?
Ao receber resposta afirmativa, ele disse: “Meu sonho de consumo é um porta capa-de-chuva de couro,bem bonita, para eu colocar na minha mulinha”.


De volta a Goiânia, fui na Campininha para consertar meu carro e lá, numa selaria na Av. Anhanguera, me deparo com o sonho de consumo do Paulino, o porta-capa. Comprei-o por R$ 35,00 e levei de presente para ele.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Joãozinho e o menino branco







Joãozinho e o menino branco


Manhã de sábado no Engenho. Dia claro, muito calor e um banho de rio faria muito bem.
Estávamos eu, Arlethe (Kalunga do outro lado do Paraná, no Tocantins) e nosso filho João Francisco na época com 4 anos de idade, na casa de Sirilo e Dona Getúlia.

Chega um carro de visitantes, um casal de suíços com um menino de uns 3 ou 4 anos, todos branquíssimos e loiríssimos prateados.

João, acostumado em conviver com os Kalunga e com sua família negra por parte de mãe, me perguntou:
“Pai,  e este menino branquinho? Compra ele pra mim?”

Dona Getúlia logo respondeu: “Mas môço ! Nóis qui era escravo e João querendo comprar minino branco!”


Todos riram, mas os Suíços nada entenderam. 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Carmanjo e a melhor parte da galinha









O  Carmanjo e a melhor parte da galinha


Carmanjo é um personagem do folclore Kalunga. É um sujeito inteligente, bem-humorado,  mas é espertalhão e gosta de levar vantagem em tudo.
Os Kalunga contam várias histórias do Carmanjo, dentre elas a que se segue:

Numa noite escura, já bem tarde, o Carmanjo, navegando  pelo Vão de Almas em sua mulinha, passa por uma casa e grita:
“ Kalungueiro ! Qual é a melhor parte da galinha?”
O morador da casa responde, lá de dentro:
“É o ovo ! (1)  O Carmanjo toca em frente e vai embora.
Um mês depois (2)  , o Carmanjo volta pela mesma estrada cavaleira e , passando pela mesma casa à noite, grita: “Com quê?”
O morador Kalunga responde : “Com sal !” (3) 



(1) Sustentabilidade – os Kalunga não gostam de matar galinhas, pois as preferem para produção de ovos e para reprodução.
(2) Tempo – nas regiões mais remotas, uma semana ou um mês faz pouca diferença no tempo ( Vide Hoje é maio).

(3)  O Sal – muito raro e caro. Era buscado de barcaça em Belém do Pará, pelos rios Paraná e Tocantins. Um prato de sal equivalia a dois dias de trabalho.

A Vigília do Sereno







A Vigília do Sereno


Noite de São João. No povoado ritualístico ao redor da Capela do Vão de Almas, a comunidade se reúne em três dias de festas em louvor a São João Batista. Durante os festejos, muitos “adjuntos” (reuniões), muitos encontros, muita reza, muita comida e bebidas. Fartura de um festejo kalunga.

Na noite de São João, após a folia passar de casa em casa, abençoando a todos com a bandeira, os “tronco véio” ( os patriarcas) se reúnem em torno de uma fogueira.

 Colocam uma pedra chata ou uma taboa no chão e sobre ela seis pedrinhas de sal, significando os meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março, respectivamente.

Em seguida, eles ficam a noite toda “vigiando o sereno”.
De manhã, as pedras que estiverem mais derretidas apontam os meses de maior ocorrência das chuvas.


Assim, com a Vigília do Sereno, os Kalunga definem os melhores meses de iniciarem o plantio de suas roças, para a produção das comidas provisórias.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Longe da prefeição





Longe da prefeição

Certa ocasião, durante a campanha para eleições municipais, o então prefeito de Teresina de Goiás e candidato à re-eleição, esteve na Fazenda Ema – Sítio Kalunga, em campanha.
Chegou na casa de Dona Leó, a cumprimentou, tomou café, pediu seu voto e os da comunidade, despediu-se e partiu em direção aos outros conglomerados familares da região.
A velha Kalunga, sorridente e com o  bom humor de sempre, me disse:
“Ó meu fio, esses políticos tão procurando por uma pá” !
“Uma pá“? -pensei eu. Perguntei a ela: “Como uma pá, Dona Leó”?
Ela respondeu: “Uma pá pra escorá”!- batendo forte na minha omoplata.
E continuou: “Ô Lana, esses prefeito pensa qui é prefeito, acha qui é prefeito, mas tão longe da prefeição”!


Demos boas risadas e continuamos a prosa.

Hoje é maio



Hoje é maio

Nas minhas primeiras visitas à Comunidade Kalunga, sempre passava na casa de Dona Leó, pois sempre pensei que a cada visita recebia um ensinamento e
conhecia melhor o seu povo e  a sua cultura. A cada visita, ela se mostrava mais íntima, me contava muitas histórias das eras antigas, dos tronco véi kalunga.
Quando lhe perguntei quando começavam as festas, ela me respondeu:
“Dispois na coieta, quando caba as chuva.”  E continuou:
Hoje é maio, amanhã é junho, com os festejo de São João; dispois é julho, é agosto, com a Romaria de Nossa Sinhora d’Abadia no Vão de Almas. E ainda em setembro, tem Romaria de N. S. do Livramento, no Vão do Moleque”.


E eu, com minha agenda lotada, dia-a-dia, hora-a-hora.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A profissão do Kalunga

A profissão do Kalunga


Nos estudos iniciais do Sítio Kalunga realizados pelo WWF-Brasil em 2000/2001, estava nossa equipe pelas bandas da Fazenda Emas  e fomos então visitar Dona Leó para informá-la de  nossa presença na comunidade, preencher o formulário relativo às pesquisas dos  “Saberes e Fazeres Kalunga” e. como sempre, tirar dois dedos de prosa e apreender os conhecimentos e a sabedoria da velha matriarca Kalunga.

Colhendo as informações,minha filha Laura e Lorena, estagiárias do projeto.
Ao ser perguntada sobre  a principal profissão dos kalunga, ela respondeu:
“Prefissão de kalunga ............, nóis pranta pra cumê, isso num é prefissão................., nóis cria boi pra cumê uma carne e tê o leite..... isso tamém num é prefissão”.


Então finalizou: “A principal prefissão de kalunga é festá , modo de quê o Festejo do Império de Nossa Sinhora d’Abadia i as reza pros santo é a prefissão mais importante na comunidade”.

Mãe -preta Kalunga - Primeiro encontro





Mãe -preta Kalunga


Primeiro encontro


Em 1999, durante pesquisas de inventário de potencial turístico de Teresina de Goiás,  fui levado à Fazenda Ema, no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga para conhecermos o Ribeirão dos Bois e algumas inscrições rupestres no lajedo da Dona Leonilda, carinhosamente chamada dona Leó.
Chegando na casa de Dona Leó, fiquei impressionado com a construção 100% natural, casa de barro, palha e pau. Ela estava fora, cuidando do gado e chamando suas vacas.
Com seus 76 anos de idade, trabalha duro até hoje.
Conversamos muito e ela concordou com a visitação de turistas ao local com ressalvas: dez pessoas por vez e acompanhadas po um guia Kalunga.
" Nem as vaca pisa nos desenho ! " - disse ela .
Lição de capacidade de carga e organização local.

Ao sair , ela me disse : "  Ô seu moço ! Gostei muito do sinhô mas num consigo lembrá seu nome. Posso te chamá de Adelmo ? Adelmo eu não esqueço !"
Só me restou concordar ! Ela me cahamou de Adelmo por uns dois meses. Depois, me chamava de " Seu" Lano!